Todos os dias várias mulheres são ameaçadas, espancadas, xingadas, queimadas e muitas vezes até mortas por seus maridos, namorados, pais e irmãos. Há dez anos a lei Maria da Penha foi criada para punir autores de violência doméstica. No Pará, o Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, do Ministério Público do Pará é referência nacional no combate à violência doméstica e cumprimento da lei, que também possui uma boa interação com os demais órgãos que lutam contra esses tipos de violência.
Criada no dia 7 de agosto de 2006, a lei é considerada uma referência internacional no combate à violência contra a mulher. A promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, Lucinery Resende, explica que desde de sua criação, a lei não sofreu mudanças, embora houvesse uma resistência de alguns, por considerarem uma lei inconstitucional, por ser exclusiva para mulheres “o STF já bateu o martelo e disse que era sim constitucional, então não existe mais esta discussão”, explicou a promotora.
Segundo Lucinery Resende, antes da lei Maria da Penha ser sancionada, era aplicada a lei conhecida como “Cesta Básica”. Quando uma mulher sofria violência ia para uma sala de audiência, onde era feito um acordo com o cidadão agressor, para que ele desse uma cesta básica para uma instituição, era dessa forma que se resolviam os problemas.
“Quando a lei Maria da Penha chegou veio bem claramente dizendo que não se aplica essa lei, que a punição deveria ser mais severa, infelizmente alguns juízes e promotores ainda aplicam, mas somos contra, pois o avanço é justamente esse, nada de acordos, se agrediu é crime e tem que ser punido, depois se trabalha para ele não voltar a delinquir”, realçou a promotora.
Após 10 anos de sua aprovação, a lei vem se consolidando uma vez que ela já foi amplamente divulgada. “Hoje uma certeza nós temos: todo mundo sabe o que é a Lei Maria da Penha, todo mundo já ouviu falar, dessa fase já passamos”, comentou a promotora Lucinery Resende. Para ela um dos fortes da Lei é a medida protetiva, que consiste em uma série de medidas para proteger as mulheres, como o afastamento do agressor do lar, exigência de pensão, suspensão do trabalho. “Mesmo que o agressor seja absolvido, pois em muitos casos a mulher perdoa e retira a denúncia, ela mesmo assim pode continuar com a medida protetiva. Essa medida veio com um papel muito importante”, ressaltou a promotora.
Além da agressão física
A lei Maria da Penha abrange vários aspectos da violência contra às mulheres. Geralmente as pessoas tendem a associar a lei apenas à agressão física, porém existem outros tipos de crimes com suas respectivas punições.
Cada forma de violência recai em algum artigo da lei. A Maria da Penha trabalha punindo de forma mais severa os crimes que já existem no código penal de 1940. Em concordância com o que está no código, o juiz irá calcular a punição que será aplicada para cada caso, de acordo com o perfil do agressor e todos os elementos da causa.
“Nosso papel, como promotoria é convencer o juiz, pois o promotor não aplica pena, ele pede e convence o juiz a aplicar essas punições aos agressores. A cadeia, por exemplo, é uma punição que amedronta os agressores, mesmo quando são feitas apenas ameaças, acaba inibindo. Eu digo que o crime da violência contra a mulher é o crime dos covardes. São aqueles que batem nas mulheres enquanto elas estão desprotegidas. No geral eles se acovardam quando chega alguém mais forte que ele, ou quando pensa que pode ser preso”, lamentou Lucinery Resende.
Rede de Proteção: Integração é fundamental para o combate à violência
O Pará é modelo de integração entre os poderes, na luta contra a violência doméstica, que abriga em um único espaço todos os órgãos envolvidos na causa, antes de ser criada a Casa da Mulher Brasileira já existia o espaço Pro Paz-DEAM (Divisão Especializada no Atendimento à Mulher) que é uma casa onde a vítima chega e encontra tudo o que necessita.
Para garantir pronto atendimento, o espaço conta com agentes da Polícia Civil, para registrar boletins de ocorrência e instaurar inquéritos em 24 horas. O local também tem serviço pericial, com a realização de exames especializados e emissão de laudos para constatação de abuso sexual ou agressão física, além de serviços médicos e jurídicos, com a presença juízes, promotores e defensores.
De acordo com a promotora, o Pará é modelo neste sentido. “ O Pará é pioneiro em muitas medidas, principalmente na questão de integração e comprometimento dos órgãos. A nossa promotoria foi criada em 2007, meses depois do advento da lei. Então nós somos modelo, temos um trabalho muito bonito. E o principal disso tudo, nós temos pessoas comprometidas nos cargos”, comemorou a promotora.
“Nós temos essa rede de atendimentos. Rede onde tem todos os atores que precisamos no dia-a-dia. Uma rede de atendimento tem estar conversando, saber exatamente o que cada um está fazendo. Assim cada um faz um trabalho. Então hoje, aqui no Pará nós temos um poder judiciário, uma Defensoria Pública, um Ministério Público, um executivo que tem uma coordenadoria da mulher maravilhosa e tem o Propaz que agrega todos. Tudo isso chamamos de rede de atendimento. Todos têm que conversar ao mesmo tempo. Isto nós temos forte no nosso estado”, completou a promotora.
Dados ainda assustam
“A Lei Maria da Penha ainda é uma ‘menina’, essas conquistas de hoje estão suficientes pelo tempo em que existe a Lei, mas nós queremos mais, precisamos oferecer um trabalho mais integrado e eficiente para atender essas vítimas, pois dos 100% dos processos criminais da Capital, 30% se referem a caos de violência doméstica”, com esta frase a promotora Lucinery Resende reflete sobre os índices ainda bem altos de violência contra as mulheres.
Todos os Ministérios Públicos possuem um cadastro de casos que chegam nas promotorias. O cadastro é uma exigência da lei Maria da Penha, no artigo 26 consta a quantidade dos casos, além do perfil da vítima e do agressor (renda, escolaridade, raça, classe social, faixa etária etc.). O Pará se destaca, por ser pioneiro neste cadastro. “O Pará foi inclusive convidado, recentemente, a participar das discussões do Conselho Nacional do Ministério Público, que pretende ter um cadastro uniformizado, estamos contribuindo com este projeto piloto, em que foram escolhidos cinco estados, mais o Pará, todos referência na implementação do cadastro Nacional”, comemora a promotora.
Dados do Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher no MPPA, apontam um aumento no número de registros de violência este ano na capital em comparação ao mesmo período do ano passado. De janeiro a junho de 2015 foram registrados 1.697 casos de violência doméstica. Já este ano esse número saltou para 2.070 casos, ou seja, uma diferença de 373 casos. Para a promotora os índices estão altos por dois motivos: o primeiro é o fato das mulheres procurarem mais a polícia, o que acaba irritando ainda mais o agressor; e o segundo é o fato da lei ainda não inibir o homem violento. “Quando o homem tem a cultura machista arraigada nele, em sua criação, ele mata a mulher, até na frente das autoridades. Hoje existe o esclarecimento da mulher, o que é significativo, mas teremos anos de luta para mudar essa cultura”, explicou a promotora.
Afim de amenizar esses dados o Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher vem criando projetos para fortalecer a luta e também vem se integrando com os demais órgãos. Para a promotora a palavra de ordem é a luta para conscientizar a sociedade sobre a cultura machista. “Hoje, fazemos palestras nas escolas públicas mas também precisamos chegar nas escolas privadas. E o que falta é muita educação para que os adolescentes não virem um agressor. A Lei Maria da Penha não tem que ter a leitura de que é uma lei apenas de proteção das mulheres. Não! É para proteger, equilibrar e construir uma família saudável”, conclui Lucinery Resende.
Texto: Michele Lobo
Fotos: Edyr Falcão