Se formos reler um livro que lemos há uns cinco ou dez anos atrás, sem dúvida vamos ler com outras perspectivas. Isso serve para um filme ou qualquer outra atividade que repetimos depois de um tempo.
As frases sublinhadas, talvez não façam mais sentido, outras passam a fazer. As ideias do autor são passadas para gente de maneira completamente diferente. O livro não mudou. O livro continua intacto, quem mudou, sem dúvida foi a leitora (o).
Assim que percebo a sociedade que vivemos. Ela continua igual: na sua desigualdade, no sofrimento, no preconceito, no racismo, nas injustiças, nas diferenças de classes, no machismo. Se a gente for para e analisar, nada mudou, tudo continua do mesmo jeito, a sociedade continua intacta.
Hoje, no dia da mulher, eu posso afirmar, por minhas experiências: que eu, a leitora do mundo, da sociedade, mudei. E como mudei. Muitas de nós (mulheres) mudamos. E isso é lindo.
Hoje estamos nos desfazendo de muitas coisas que por muito tempo foram impostas a nós. Aquela mania de achar que a mulher é a culpada por tudo, que é louca, que é menos inteligente, que não pode exercer determinada função, nem frequentar determinados ambientes.
Por muito tempo nos ensinaram a odiar nosso corpo; a padronizar a beleza; a competir uma com a outra; a ser bela, recatada e do lar. De ser a que 'não tem propriedade para falar de futebol, de política'. Por muito tempo sofremos caladas.
Eu, a leitora, sublinhava no meu livro o que mais me feria, o que mais me levava ao fracasso. Por mais que o livro seja de um drama bem pesado, o leitor tem a capacidade de transformar em um lindo aprendizado.
Por quantas vezes o meu livro ficou com a mesma perspectiva. Por quanto tempo me mantive escrava da religião, e não do que Cristo realmente ensinou. De que devíamos amar o próximo como a nós mesmos e não apenas o próximo, e nunca mais do que nós.
Me amar mais, talvez seja, uma das mudanças mais significativas que tive; e entendi que não é questão de egoísmo, mas fortalecimento, pois como poderemos amar o próximo, ajudar quem precisa se estivermos destruídas?
Eu percebo que as leitoras mudaram suas perspectivas sobre seu livro e consequentemente fizeram dessa leitura um baita aprendizado, mais do que isso: se fortaleceram; passaram a questionar esse livro; passaram a mudar com a história; passaram a escrever as suas próprias histórias, com suas próprias perspectivas.
Hoje, mais do que leitoras de um mundo injusto, principalmente para o nosso gênero, nós estamos escrevendo nossos gritos, nossos dilemas, nossas revoltas. Estamos escrevendo a nossa história de recomeço. Não somos mais apenas leitoras, somo escritoras de uma nova história para o gênero.
Sim, sem dúvida é recomeço para muitas que achavam que mulher não pode falar; que deve se vestir de determinada maneira; que é culpada, até quando é a vítima; que é culpada, até quando morre.
Não estou, em hipótese alguma me desfazendo de muitas mulheres que foram além do tempo. Em muitos períodos existiram mulheres que quebraram o protocolo, que ultrapassaram barreiras para que hoje, a gente fizesse parte de muitas conquistas que não lutamos, elas lutaram. Só que hoje a luta está crescendo e abrangendo lugares inimagináveis.
Como disse, eu não acredito que o mundo mudou, mas acredito que muitos estão em um momento de releitura. Vejo o movimento feminista, negro, entre outros, cada vez mais corajosos.
Hoje vejo o movimento aumentando e me vi nesse movimento sem perceber. Me vejo a cada dia mais engajada nas nossas causas, me vejo mais empática com meu gênero. Me vejo me desfazendo de coisas tão comuns que hoje percebo que eram ridículas.
Não me envergonho de falar que eu era uma cristão protestante com fundamentos machistas e sem noção. Hoje tenho propriedade para falar do quanto o machismo é corrosivo para nós mesmas.
Como vejo isso em mulheres que conheço e que fazia parte do meu convívio. Penso que se não fosse minhas vivências no Jornalismo eu seria, em determinados assuntos exatamente como elas.
O mundo não mudou, ele continua muito cruel. Se a gente for perceber, essas mudanças, nas leitoras são maravilhosas, mas também assustadoras para quem não aceita mudanças. Para quem não aceita a liberdade das mulheres.
O filósofo Jean-Paul Sartre disse que a liberdade vem acompanhada das angustias das escolhas e consequentemente, com o peso da responsabilidade dessas escolhas; que ser livre é engajar-se, comprometer-se e, enfim, responsabilizar-se.
Falo nisso, dessa dor da liberdade quando vejo um caso de feminicídio, de violência contra mulher, das humilhações e falta de respeito com o movimento feminista. Não é fácil ser livre. O preço da liberdade é alto demais. Dói. Machuca ser livre e lutar por liberdade.
Ouço muito, que os números de violência e morte de mulheres aumentaram porque o movimento luta errado; ou porque as mulheres estão ficando abusadas, atrevidas demais...
Eu penso que é um peso dessa liberdade. E não se trata só do machismo, mas do racismo, homofobia, e tantos outros males. Estamos vendo o peso da luta; estamos vendo a revelação do fascismo.
Sabíamos que não seria fácil acabar com o machismo, ou ao menos, ameniza-lo. Homens machistas sempre consideram mulheres como suas propriedades, com sentimento de posse. Mulheres por séculos morriam naquele único relacionamento.
Hoje, com muita conversa de conscientização, mulheres não aceitam relacionamentos abusivos e infelizmente homens não aceitam sua escolha, acabam agredindo e tirando a vida suas vidas.
Não sei se será essa geração de homens que mudará; não sei se com as campanhas, mais severidade na lei, e tantas medidas aumentará esses números assustadores aumentará. O que eu tenho certeza é que calar é bem pior do esbravejar nossos problemas por anos camuflados.
Mulheres ressurgem, revivem, como Fênix, em cada fase da vida. Somos mudança; somos constantes recomeços. E hoje, em pleno século XXI, estamos nessa releitura, mais do que isso estamos no processo de mudanças.
Não. Não acredito que o mundo mudou, parece não sai dos intermináveis ciclos de sofrimentos e injustiças. Mas quem sabe, que com novas releituras; com novas perspectivas; e por fim, com fortalecimento, sabendo lidar com as tristes consequências da liberdade, se refazendo dessas consequências, o mundo finalmente mude.
👏👏👏maravilhoso texto
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